Cinquenta tons de cinza é um livro que, a exceção dos mais leigos, dispensa apresentações sobre seu enredo para os leitores de hoje. Sucesso mundial de vendas, o livro sobre uma adolescente inocente na arte do sexo e sobre um empresário multimilionário Dominador, marcou a literatura erótica e impulsionou o mote BDSM para outros livros no estilo. Agora, próximo da estreia nas telas de cinema, Cinquenta tons de cinza ainda gera debates polêmicos pela essência de sua natureza.
Quando comecei a lê-lo ano passado, larguei o livro logo no começo. As expressões repetidas, a história contada as margens de uma fan fic de crepúsculo, as cenas incoerentes e tantos outros aspectos relevantes – e que prejudicam a história nas primeiras páginas –, quase me fez abandonar de vez a trilogia, ainda que o tema me interessasse. Mas uma antiga amiga me estimulou a ler Cinquenta tons mais escuros, alegando que a história e a escrita melhoravam bastante. De fato, o segundo e o terceiro volume me deixaram apaixonada por Grey e pela Anastásia. Você pode conferir as resenhas que escrevi na época clicando aqui e aqui
Agora, tendo os três livros em mãos, e com isso a oportunidade de relê-los, fui até as últimas páginas de Cinquenta tons de cinza. A escrita soa amadora, é verdade, mas há um pequeno salto considerável e perceptível na melhora do texto a partir da metade do livro em diante. Alguns vícios de linguagem ainda são mantidos, e a tal “deusa interior” com frequência soa irritante, mas a história passa a adquirir voz própria, e, os personagens, suas próprias personalidades. Grey seduz pelo jeito sombrio e misterioso – de uma maneira encantadora. Anastasia traz a essência de uma garota que se aventura em um mundo desconhecido – um mundo de prazeres sexuais restritos, do qual seu corpo se excita, mas que sua mente, ao longo da história, reluta em aceitar.
São cenas eróticas envolvendo bondage, submissão e os mais diversos “castigos” que terminam em prazer a ambos. Sexo fora dos padrões, mas que excita pela relação entre os personagens e pela caricatura imposta entre Dominador e Submissa. Tudo – e é importante ressaltar – é consentido, e os limites são previamente estipulados de ambas as partes. Mas o que parece encantar e diferenciar Cinquenta tons de cinza dos demais livros eróticos está justamente no equilíbrio que eu, particularmente, quase não encontro neste gênero: a história em contrapartida ao sexo. Enquanto muitos livros tornam o sexo como ponto central – e muitas vezes se perdem em uma história fraca ou não apresentam sequer uma história, Cinquenta tons de cinza consegue trazer um meio termo gratificante com um enredo envolto em um romance intenso, personagens interessantes e, de bônus, cenas de sexo para lá de quentes.
O primeiro livro apresenta a relação conturbada e os dilemas que envolvem o relacionamento BDSM dentro do contexto do termo apresentado na história. Anastasia luta contra o seu consciente ao mesmo tempo em que se aventura no mundo particular de Grey. Os dois juntos resultam em uma combinação cheia de dúvidas e receios, mas também proporcionam ao leitor uma relação com um leve ar cotidiano que encanta e fascina pelos diálogos e pela atenção que dedicam um ao outro. Atrelado ao psicológico de Grey – um dos pontos mais alto da história, Cinquenta tons de cinza soa, para mim, uma combinação forte entre o doce e o amargo. A princípio podem não se misturar, mas no final a junção consegue surpreender o leitor.
As Crônicas de Bane reúne contos de um dos personagens mais famosos do universo criado por Cassandra Clare, autora da série “Os Instrumentos Mortais” e do spin-off “As Peças Infernais”. O livro foi escrito em parceria com mais duas autoras: Sarah Rees Brennan e Maureen Johnson, e explora os anos e os acontecimentos aleatórios na vida de Magnus Bane – desde sua vida no Peru, em 1791, até o seu relacionamento com Alec, nos dias atuais. Imprescindível dizer que os contos seguem a trajetória das duas séries citadas acima – portanto, o livro contém spoilers destas histórias.
Magnus Bane é dotado de características divertidas e encantadoras – quiçá charmosas, uma vez que o feiticeiro possui a postura e a aparência de classe e de elegância de acordo com o seu próprio senso de moda. É justamente seu modo peculiar de viver e de ver as coisas, ou as situações mais diversas – e únicas, devo acrescentar – na qual qual se encontra, que “As Crônicas de Bane” se torna um deleite para qualquer um que aprecie o humor sutil e refinado, ainda que, algumas vezes, o contexto não seja propício a isso, como em contos onde o drama é mais acentuado. Magnus é, de longe, a figura de um homem com a alma de um rapaz vivendo e experimentando as mais diversas peripécias.
Suas “grandes aventuras”, descritas sempre com entusiasmo pelo próprio personagem, inclui salvar Maria Antonieta, enfrentar um bando de vampiros vingativos, se embebedar sempre que possível, flertar com homens e mulheres de qualquer espécie, rever antigos amigos e assim por diante. A lista é longa, e o ritmo, muitas vezes, acelerado. Os contos são interligados, já que descrevem sua trajetória de vida e quase sempre citam um ou outro fato do conto anterior. Aliás, “As Crônicas de Bane” é o momento que muitos leitores esperavam para rever antigos personagens do universo criado por Cassandra Clare, como Will e Tessa, por exemplo, que encantaram muitos – e eu faço parte deste coro –, pela sua história em “As Peças Infernais”. Os melhores contos certamente foram aqueles em que personagens já familiares aparecem na história.
O senso de ajudar o próximo, seu lado gentil e o seu carisma fazem de Magnus Bane uma figura introvertida e muito envolvente. A leitura é obrigatória para conhecermos mais a respeito de um personagem que roubava as cenas sempre que aparecia nos volumes anteriores. Não tardou muito, e um dos feiticeiros mais “sem noção” e, de certo modo, “fofo”, recebeu o seu próprio livro – livro este mais do que merecido. Fecho este ano literário de 2014 da melhor forma possível, sem dúvida.